Toda exposição tem que ter um texto (TEM QUE??? porque "tem que"? - texto é cacoete de curador!) Mas como nós também despachamos curadores da nossa vida, então eles também recebem uma homenagem. Homenagem ao espírito do curador inexistente.
Resolvi não ir pelo lado linguístico, ou seja, usar a palavra "despacho" e seus muitos significados como conceito do texto. Eu acho que tem excesso de teoria francesa em textos curatórios e também tem excesso de Deleuze na arte contemporânea brasileira (embora eu seja mega-deleuze). Tô querendo dar um tempo das rizomas e escrever de outro jeito.
Vamos tentar: ao invés de seguir texto-arte-conceitual, definir o despacho, seus múltiplos significados, vamos à função do despacho - o que ele faz, o que é - talvez querendo ir pro lado metafísico da coisa (deleuze, sorry). Quis partir para outro lado, pelo lado que despacho é dádiva, que um despacho estabelece uma comunicação simbólica com o que quer que seja...pois todos os significados de despacho têm no fundo o objetivo de dar e de mobilizar energias.
Queria também fugir do academês e dos textos cabeção que eu não aguento mais ler pois não dizem nada. POde ser que eu também não esteja dizendo nada. Vou correr esse risco então, sem citações ou notas de rodapé.
Mas talvez esteja ainda bem careta, bem status quo. que piensan ustedes?
"A promessa da memória" ou "Que deuses são esses?" ou "Já é, já foi"
Todos precisamos de veículos para preservar e ativar a memória. Ouvimos os ecos do passado em prédios antigos, álbuns de família, cartas de amor, objetos que caíram em desuso, cheiros, sons, e sonhos recorrentes. É preciso igualmente estabelecer uma ligação com os espíritos, um elo entre os vivos e os mortos, uma abertura do presente com os tempos idos e aqueles que ainda estão por vir.
E assim nasce o despacho - um ritual que propicia uma ocasião estruturada para que a invisível alma dos mortos (ou dos deuses que pairam sobre nós) possam retornar ao seu local de origem - uma volta para casa - tendo estes objetos simbólicos como armadilha para que retornem, mesmo que apenas por um instante, para evitar que sua alma se desintegre. Aqui os objetos contém potencial de troca, mesmo que sejam apenas matéria inerte.
Mas objetos são apenas objetos. Os objetos despachóides incluem pessoas, e ações necessários para mobilizar a energia dos deuses a nosso favor, com o intuito de apaziguá-los em troca de uma promessa. Essa comunicação simbólica fortalece laços de afeto, restaura a alma, proporciona uma retificação moral e uma negociação de relações com aqueles entes que nos dão, em troca, uma espécie de identidade. Despacho é dádiva, mas, ironicamente, na nossa cultura burocrática, despachar também significa 'tirar de si' (a papelada), 'mandar adiante' (o processo jurídico), e rejeitar (os amores).
No entanto, um objeto por si só não constitui despacho. Se virmos a arte como uma coleção de objetos inertes residentes em seus pedestais ou enclausurados em suas molduras, estes não são sempre concebidos para estabelecer esta ligação esotérica. Fala-se em 'interação' com o espectador, mas permanecemos imóveis e estupefatos diante de meros artefatos. Na falta de função, a arte perdura em um vácuo em que não sabemos mais porque fazemos arte ou para que servem os objetos que criamos - talvez arte seja puro entretenimento e basta.
Grupo DOC propõe, para a exposicão Despacho, que os treze artistas convidados meditem sobre essa questão, que dialoguem com os deuses que lhes servem e que façam de seus objetos mais do que meras colocações materiais. Que despachem sobre a tela branca oferecida e que transformem seus objetos e imagens em veículos, em estopims de diálogo com algo mais, querendo talvez entender que deuses são esses com quem nos comunicamos, por onde vamos, o que recebemos, o que prometemos, para falar com quem, para dizer o quê?
8 de nov. de 2009
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