7 de set. de 2009

Artistas Despachudos II

Já que a coisa está desanimada por aqui, apresento a vcs a maga despachuda: minha amada Maya Deren! Eu já publiquei um texto sobre ela no primeiro número do Jornal ATUAL (mais um empreendimento da Azougue Editorial), mas como ele ainda não tem sua versão virtual, vou dar uma palhinha pra vcs.
Eleanora Derenkowsky, nome verdadeiro de Maya Deren, nasceu em Kiev, em plena Revolução Russa. Em 1922 migrou com a família para Syracuse, no Estado de Nova Iorque, por causa dos movimentos anti-semitas que começavam na Rússia e porque seus pais também eram simpatizantes de Leon Trotsky. Maya era o que chamamos hoje de artista multimídia: bailarina, coreógrafa, escritora e fotógrafa, além de cineasta, como é mais conhecida.

Sua carreira no cinema começou no início do anos 1940, quando conheceu Alexander Hammid, famoso fotógrafo e cameraman tcheco, numa turnê da Cia de dança da coreógrafa Katherine Dunham, na qual trabalhava como secretária.

Com Hammid, Maya fez seu primeiro curta-metragem, Meshes in the afternoon, em 1943, considerado seminal para o cinema avant-garde americano e que a consagrou como uma das precursoras do cinema experiemental e underground. Neste mesmo ano, Maya começou o filme (nunca finalizado) The Witches' Cradle, com Marcel Duchamp, que fazia parte de seu círculo de amigos com Andre Bréton, John Cage e Anaïs Nin. Depois vieram os curtas At Land (1944), A Study in Choreography for Camera (1945), Ritual in Transfigured Time (1945-6), Meditation on Violence (1948), Ensemble for Somnabulistis (1951) e The Very Eye of Night (1952-59).

Com o dinheiro que ganhou com uma bolsa Guggenheim em 1946, Maya viajou para o Haiti e pode ali aprofundar seu interesse pelos rituais voodoos, que ela já havia conhecido na sua pesquisa de mestrado sobre as danças haitianas. No país, Maya não apenas filmou horas de rituais voodoo, como adotou o voodoo como religião. Seu livro Divine Horsemen: the Living Gods of Haiti (1953), é considerado até hoje uma das melhores pesquisas produzidas sobre o tema, mas o longa que o acompanharia ficou inacabado devido à morte de Maya e só foi finalizado em 1981 pelo terceiro marido de Maya, Teiji Ito, também responsável pela trilha incidental de diversos curtas de Maya.

Maya, nome da mãe de Budha e que na religião budista significa “ilusão” ou o “véu” que encobre a realidade, foi adotado pela artista em 1943. Curiosamente, seus filmes provocam reflexões sobre as conexões entre os nossos sonhos e a “verdade” subjacente à realidade. A matéria dos filmes de Maya é a sua própria experiência interna e os conteúdos simbólicos e surrealistas de suas reflexões são usados magistralmente para mostrar que, afinal, a realidade é muito mais sui generis do que parece ser.

Conheci Maya Deren em 2006 durante a pesquisa para o meu mestrado, cujo tema era o tempo e suas representações na imagem contemporânea e, embora seu trabalho não tenha entrado no texto final, a experiência deste encontro foi tão forte que ficou pairando sobre toda a pesquisa e o texto produzido como uma presença incontornável e como referência sobre onde, afinal, eu queria chegar. Sua liberdade como artista e a independência que manteve ao longo de sua curta vida de todo esquema da grande indústria do cinema americano são notadas em cada plano de seus filmes, na forma como usa as noções de tempo e espaço, na ousadia da montagem e na impressão física que seus filmes deixam em nós. Se tivesse vivido, talvez Maya tivesse adotado a performance como prática, tão forte é a concepção do gesto e do movimento em seus trabalhos. Com Maya, eu tenho vontade de correr na beira do mar salgado, bailar sobre um fundo de estrelas e me abandonar ao devir do tempo que vai e volta e a cada volta atualiza uma possibilidade.

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